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inspirado em que provérbio?
quem adivinha?
explicações e afins na caixa de comentários.
a serra tem um silêncio que não encontrei, jamais, em qualquer outro lugar.
ouvimos, com clareza transparente de riachos puros, o som dos pássaros, dos cães ao longe, de uma mosca melancólica no vidro.
na páscoa o silêncio aumentava numa dimensão de milagres santos.
os dias eram mais claros e azuis na primavera que chegava. as trepadeiras da varanda, em mil gomos lilases lançavam um cheiro adocicado e disputar com as amêndoas doces espalhadas em pratos. limpava-se a casa, numa azáfama constante. a sala passava a cheirar a óleo de cedro e ananás, com uma grossa toalha de renda.
na quarta feira santa as confissões na igreja estendiam-se o dia todo.
eu arranjava mil pecados que não cometera para ir com a minha vizinha. demorávamo-nos no caminho, passando pelo carreiro cheio de ervas daninhas.
fazíamos ramos de flores amarelas, silvestres, que escondíamos à entrada da igreja e que estava invariavelmente fria, com cheiro a lixívia e humidade. pálidos raios de sol entravam pelos vitrais fazendo brilhar partículas de pó. sentava-me num dos bancos cimeiros e ficava contando os pontinhos de luz que dançavam na minha frente.
na quinta feira o avô punha luzes na fachada da casa.
preparava-se o caminho da procissão da noite, com velas compradas na loja do lado da igreja, que enrolávamos em papel velho.
o padre fazia uma missa longa que eu não ouvia. sentava-me no muro do grande largo da igreja e ficava - calçando ou vestindo alguma coisa nova - olhando as pessoas, na procura de uma cara da escola.
às vezes comprávamos rebuçados e ansiávamos pela procissão para acender as velas.
na sexta feira era proibido comer carne.
a mamã escondia qualquer pedaço dela, para não nos esquecermos ou cair em tentação. o pecado mortal de comer carne jamais seria perdoado.
comíamos arroz de polvo, invariavelmente ao almoço, numa festa de rancho melhorado. não conseguia perceber o contexto de penitência.
nem os papás.
o papá, do alto da sua voz grave, dizia que era um pecado hediondo comer carne, deus me livre, enquanto a mamã cozia o polvo. bem mais caro que a carne. um dia avancei que penitência era não comer uma coisa que gostássemos pelo que eu abdicaria dos chocolates.
foi-me dito para não dizer asneiras pelo que, para compensar, às três da tarde - quando no café do tio se exigiu um minuto de silêncio pela morte de jesus cristo - enfardei dois chocolates twix que a minha prima me deu.
à tarde outra procissão do funeral de cristo.
a multidão amontoava-se à porta de uma velha capela e pelo chão espalhava-se erva doce e flores silvestres. caminhávamos em silêncio, muito sérios e compenetrados.
a banda tocava afinada, na certeza de não fazer feio.
e no meio as mulheres criticavam roupas e cabelos, aquela que engravidara ou o outro que andava com a vizinha.
no sábado, antes de jantar, na igreja faziam-se cerimónias que se arrastavam noite dentro.
eu ouvia-as, de casa, os cânticos longos e desafinados e num dia de tédio decidi ir. acenderam uma fogueira à entrada e dentro cantaram desalmadamente durante horas. a meio fartei-me, enregelada e fui para casa maldizendo a triste ideia que se me dera. durou até às onze da noite, altura em que o sino tocou a anunciar a ressurreição.
no domingo o padre passava, com uma cruz, por todas as casas: era o compasso.
o papá insistia em pôr pétalas de camélia no terraço, contra a vontade da mamã. havia amêndoas em pratos brancos e uma toalha muito brilhante em cima da mesa. encostado a uma jarra de cravos, que a mamã ordinariamente comprava, colocavam um envelope selado com o dinheiro do folar a entregar ao senhor padre. nós ouvia-mo-lo à distância de uma campainha que um miúdo tocava.
ficávamos quietos, cada um no seu sítio, quando o padre entrava.
uma vez, muito pequena, recusei-me a beijar a cruz porque me haviam dito que todos os velhos a beijavam - mesmo os sem dentes - e que o pano com que a limpavam era sempre o mesmo. quando o compasso saiu a mamã pôs-me de castigo.
mais tarde a avó disse-me que não haviam doenças nos pés de deus.
aquilo convenceu-me:
ainda hoje beijo.
ainda hoje não como carne à sexta feira.
ainda hoje sei de todos os pormenores, que me doíam à época, e que recordo com melancolia gritante de quem não volta a tempos em que o silêncio quebrava a dor e se transformava em coisas maiores.
continua tudo lá.
só eu não.
os mesmos rituais e procissões, compasso e envelope em frente ao jarro de cravos, a que assisto, muito ao de longe, sem assistir, na promessa feita.
há promessas que deveríamos estar autorizados, por nós mesmos, a quebrar.
nesta minha ausência... comeu-se bem?
a melhor maneira de manter um blog é tirar prazer dele.
não há mal algum que o prazer seja tinta da china para pôr nas vistinhas, comentários aduladores do ego ou simplesmente muitos ahahahaha e pisca pisca. não há mal porque cada um tira prazer do que bem entende e a máxima do "desde que não prejudique" aplica-se.
no meu caso o maior prazer está - ou costumava estar - em ler os meus próprios textos.
em divertir-me na escrita ou usá-la para exorcizar quem sou. ou para compreender melhor o que penso. ou para raciocinar sobre temas porque escrevendo penso duas vezes. ou em sentir-me absolutamente feliz por juntar palavras em frases e frases em textos e expô-los a quem quiser ler.
é esse o maior - e às vezes único - prazer que retiro disto e sem isso não vale a pena.
quando me farto e percebo que estou unicamente a escrever por obrigação, que as palavras não se atropelam e os meus dedos empancam nas teclas, enferrujados, apagando e voltando a apagar, colocando frases atrás de frases em rascunhos, numa vergonha que vejam o mundo paro.
paro e espero, aguardo nas sombras, muito baixinho, esperando sentir falta.
esperando sentir uma ponta de vontade de escrever.
esperando sentir a necessidade de juntar palavras corridas, umas a seguir às outras.
às vezes perco a identidade disto.
olho-me e tento perceber por que motivo dedico tanto tempo e dedicação a algo quando, em alguns dias, não retiro prazer nenhum. tento descortinar sobre o que escrevo, para que escrevo, do que escrevo, numa espécie de procura de quem sou. quando não descubro paro e espero.
parei uns tempos estes dias.
e para minha confusão - e alguma tristeza - senti muito menos falta disto do que pensei. deixei prosseguirem as horas e os dias com coisas agendadas, mal olhando para palavras e frases e questionamentos, apercebendo-me de que não havia qualquer sentimento de falta. ou vontade.
achei que iria sentir saudades descomunais e que o meu prazer em voltar a escrever seria exponencial.
não foi.
pondero seriamente se não será hora de ultrapassar este espaço.
sem auto-comiseração, tentativas de afago ao ego ou deixa-te disso.
numa ponderação simples e muito minha: para quê manter algo quando a sua ausência não me provoca nenhuma comichão de saudades? nenhum formigamento de ânsia? nenhuma vontade de regressar?
inspirado em que provérbio?
quem adivinha?
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depois de um dinheirão em tratamento de cáries (sim, os dentes não doíam, não tinham aspecto de estragados mas havia ali bicheza a corcomê-los e eu não sabia);
depois de um dente do siso que deu ar de sua graça e me fez verter mais sangue que um pito em dia de matança;
depois de uma cena estranha na língua que vai ser tirada tarda nada e levada para análise (porque nestas coisas nunca se sabe, não é? a senhora compreende. não se preocupe muito que é - quase - só por segurança);
veio a avaliação do aparelho porque o dentista insistiu que eu tinha um grave caso de oclusão facilmente tratável.
desloquei-me à clínica a arrastar as pernas pensando:
mas o que aconteceu senhores... pois bem, aconteceu algo que não podia imaginar - jamais - e para a qual não estava preparada:
é que, segundo a dentista, o aparelho não ia resolver nada. a melhorar o aspecto ia dar cabo da estrutura da boca (ou outra coisa qualquer que ela disse e não memorizei) e que portanto, tínhamos de pensar noutra alternativa.
não imaginem que tenho dentes de coelho, tortos de uma maneira descomunal que me impedem de fechar a boca, mantendo aquele ar aflito de quem vai roer qualquer coisa a todo o minuto.
aliás, tendo em conta a situação são até bastante discretos.
mas qual situação M.J.?
perguntam vocês aos saltinhos todos curiosos.
uma situação delicada que põe quatro dentes a bater uns nos outros - atrás - e nada mais.
numa dentada aberta estranha que eu - na minha inocência de quem nunca apreciou dentes - achava ser relativamente normal.
só que não.
não mesmo.
e parece que a solução num primeiro diagnóstico é ir à faca.
ou neste caso à machada.
ou ao cutelo porque se vamos deslocar maxilares e voltar a recolocar não me parece que uma faquita seja eficiente:
é com machado ou cutelo ou serra.
sim senhor.
muito bonito.
dá todo um novo a sabor àquela coisa do "vou ali enfiar a cabeça debaixo de um camião e já volto".
só que desta vez posso não voltar.
é que sinceramente!
(sim, eu sei, voltei, estava encerrada até à páscoa mas senti tanta falta que ressuscitei mesmo sem sexta feira santa- depois explico).
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