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as palavras de ordem:
quem nunca as ouviu?
é incrível as vezes, na vida, que me instalo e aguardo, pagando (e bem) no fim, para receber algo que ou dói ou incomoda ou é desconfortável ou chato ou tudo ao mesmo tempo.
sento-me e aguardo na cadeira do dentista para ser picada, esburacada, estropiada na boca, os maxilares escancarados e coisas que parecem vir da idade média a perfurar, limar, tapar, limpar.
deito-me e aguardo na cadeira do ginecologista, desconfortável, encabulada, uma vontade de fuga para ser observada, analisada, tocada, praticamente violada na espera de que ao menos, esteja tudo bem no fim.
deito-me e aguardo na maca da esteticista para ser picada, meia queimada, um laser que "não dói nadinha" mas dói e faz incómodo nos dentes e "é só uma picadinha" e merda para isto tudo.
deito-me e aguardo na maca da clínica para fazer exame anual às mamas, na certeza de que enfim, aquilo não evoluiu e está bem e aguardo, que remédio, pelo gel e a máquina que aperta como quem aperta laranjas para fazer um excelente sumo para o pequeno almoço.
deito-me, sento-me, aguardo.
e em todos os sítios onde me deito, sento e aguardo há cartazes, fotografias, imagens de gente feliz, numa espécie de resultado final, dentes brilhantes, ar sedoso, radiante, para me lembrar que enfim, depois de sentar, deitar e aguardar a vida será muito mais bonita.
e em todos os sítios há profissionais que tentem ser simpáticos, dar um ar de naturalidade à coisa, o dentista que insiste em conversar e esperar respostas que não posso fisicamente dar; o ginecologista que fala animadamente da vida olhando para um sítio bem mais abaixo do que a minha cara; a esteticista que tagarela sobre as dificuldades da mulher fingindo ignorar os meus pulinhos de dor e os poros dilatados nas minhas trombas; o técnico que esgravata com a maquineta as minhas mamas, olhando simpaticamente o ecrã à sua frente enquanto comenta que "oh, tantas mulheres que têm isto e não é nada de grave".
e em todos os sítios em que me deito, sento e aguardo conto, mentalmente, os segundos para cada pequenina tortura passar jurando a mim mesma que, nem que morra, não volto lá mais.
e volto sempre.
digam-me: no sentar, deitar, aguardar qual o pior que passam?
qual destes (ou outro) gostam menos?
(para não dizer odeiam?)