Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
pronto, deixemo-nos de merdas:
fui ao raio da aula de preparação para o parto.
apesar de ter sido uma semana particularmente ocupada, em que assinamos a escritura da casa e organizamos tudo para a mudança; em que recebi uma dose de trabalho excessiva na empresa; e em que entrei nos sete meses e meio de gravidez, achei, ainda assim, muito simpaticamente, que não tinha o direito de decidir sozinha uma coisa que é dos dois e cedi.
portanto, lá fomos então, no sábado de manhã, à aula de integração no curso (sim, depois da faculdade, das formações todas em que me coloco, entrei noutro curso) que promete ensinar-nos tudo o que precisamos saber sobre os três quilos e meio de pessoa que vou parir.
a minha contrariedade era evidente.
não só porque enfim, estava contrariada, como o cansaço acumulado da semana se colava aos ombros.
chegámos mesmo em cima da hora e demos de caras com uma série de casais sentados, alinhados, a olhar em frente.
havia apenas, ao canto, uma moça sozinha, com ar de quem ia desatar a chorar a qualquer instante e senti logo empatia por ela visto que, pondo o dedo na ferida, eu também estava:
a ideia da realidade do que aí vem assoberba-me sempre que vou a consultas e médicos, sempre que me falam do assunto ou sou obrigada a pensar em roupas, carros, ovos e mamas.
adiante.
a coisa decorreu exatamente como eu esperava.
ouvimos músicas sobre barrigas e amores imutáveis;
disseram-me nas trombas que ambos estávamos grávidos (gostava de saber então porque raio, sendo assim, só eu sinto dores de costas e só eu eu pareço um bisonte a cada dia que passa - juro que já não me consigo olhar ao espelho);
que era uma fase maravilhosa e única na nossa vida (claramente que a senhora não se sentiu uma bisonte quando emprenhou ou não dizia tal coisa);
e que era normal estarmos todos ansiosos.
- verdade seja dita, a não ser eu, que mordia os lábios de cinco em cinco segundos para conter o choro e a rapariga do canto que estava sozinha, mais ninguém me pareceu particularmente ansioso. -
além do mais, como não podia deixar de ser, falou-se em amamentação.
e claro, não se questionou se alguém não queria amamentar. assumiu-se como é assim e é e ainda que estivesse a ferver por dentro não tive coragem de dizer que enquanto as mamas forem minhas, essa ainda é uma decisão a ser tomada.
enfim, saímos da coisa duas horas depois, após ter olhado umas cinquenta e seis vezes para o telemóvel na tentativa de que o tempo passasse mais rápido.
o rapaz não cabia em si de contente - juro que não entendo - e, para comemorar, quis que fossemos à pastelaria da moda comer croissants com chocolate que eu, muito educadamente recusei, uma vez que não preciso de açúcar para parecer aquela senhora que engordou até aos setecentos quilos.
a sério que queria mesmo sentir as coisas de maneira diferente.
mas não é possível.
o desconforto, as hormonas - que me fazem oscilar entre ondas assoberbadas de amor pelo mundo, tristeza inexplicável e uma vontade séria de me atirar de paraquedas sobre o atlântico - a imensidão de trabalho, a mudança e tantas outras cenas idiotas impedem-me de raciocinar da forma racional necessária.
deixo-me dominar pelas pequenitas coisas sem sentido e pelos medos que me consomem a pontos de me parecer maluca.
preocupo-me com coisas que nunca me preocupei (meu deus, como pareço/estou enorme; minha santa senhora das mães, pobre criança que merecia uma progenitora melhor; era só o que faltava alguém decidir mais do que eu sobre as minhas mamas; e se morrermos os dois? o que será do pobre altino?; quer isto dizer que nunca mais vou ter uma noite de sossego na vida?) e descontrolo-me porque, na verdade, deixei de ter controlo sobre a minha própria vida e sobre o meu corpo.
não há possibilidades de plano b.
não há nada que possa fazer a não ser deixar seguir os dias e tentar não me afogar na imensidão de coisas que me estrafegam o cérebro e me fazem sentir uma espécie de ovelha muito ranhosa e tísica (só na palavra, porque de tísica, com esta barriga, não tenho nada) nesta coisa do mundo das grávidas.
tento levar cada dia como o dia.
recuso-me a pensar em demasia no depois mesmo que, quando o cansaço me consome, faça na mente os cenários mais negros e tente perceber qual o caminho certo por onde escapar, se há possibilidade de fugir, se não irei enlouquecer ou se, tudo isto, não é mais do que normal, na incerteza do que aí vem.
dizem-me que outras pessoas sentem da mesma forma.
não acredito.
não haveria uma única creche aberta, um único jardim infantil e a espécie humana estava para sempre comprometida se toda a gente sentisse, uma vez que fosse, o turbilhão de coisas que tento abafar em trabalho, mudança e as mil merdas em que me assoberbo.
oh senhores.