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sempre odiei o calor, as férias enormes onde não se fazia nada na serra, o transpirar a jorro, os dias intermináveis, a aldeia que assava no sopé da serra, a sensação de que a minha vida era ainda mais pequenina do que toda as outras vistas na tv, a certeza de inutilidade por não haver coisas para estudar, os livros que escasseavam longe da biblioteca da escola, os homens que bebiam mais do que a conta embalados pelo calor, o medo da incerteza.
sempre odiei o verão e isso não se alterou grande coisa ao longo dos anos, mesmo que possamos tirar férias nessa altura, não viva mais na serra, tenha a oportunidade de sair e o trabalho seja tanto que não há possibilidade de me sentir inútil.
mas o que detesto mesmo é o calor.
a sensação de suor constante na pele, a moleza do corpo, o sol abrasador a queimar tudo, a ideia de que é preciso fugir para uma praia ou piscina, os legumes da horta da mamã queimados do sol de quarenta e muitos graus, os incêndios a atropelar a vida, a destruir sonhos e a matar pessoas. as noites tão quentes que seja na rua, seja em casa não se consegue dormir, o apelo de compra de ares condicionados, a conta da energia elétrica com vários dígitos, a porcaria dos dias que triplicam o tempo das horas. detesto sol abrasador. não percebo o convite das esplanadas em dias de trinta e muitos graus, as pessoas na hora de almoço escarrapachadas na praia, já com sal e tudo à espera de ficarem bem cozidas para o almoço.
detesto o calor. sempre detestei.
mas se há ano em que o meu ódio é profundo, em que que passo os dias a rogar pragas é este.
o ano em que o meu corpo não é só meu e, também por isso, o calor sente-se em dobro, o mau estar é constante e o mau feitio, a má disposição torna-se tão grande que fico incapaz de conviver, não estou bem em lado nenhum e era menina de dar dois pares de estalos em cada pessoa que me dissesse:
mas é o tempo dele.
que consumição.